domingo, 12 de agosto de 2012

Paul Celan X Anselm Kiefer

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Nicolau Saião, Sem título
(Paul Celan)
Leite negro da aurora bebemos-te à tarde
bebemos-te cedo e no dia bebemos-te à noite
e bebemos bebemos
cavamos um túmulo no ar onde não se há de estar apertado
Mora um homem na casa que lida com cobras que escreve
quando descem as sombras escreve à Alemanha teu áureo cabelo Margarete
ele escreve e se afasta da casa e cintilam estrelas assovia chamando os mastins
e assovia judeus seus judeus cavem fundo uma cova na terra
agora nos manda tocar para a dança
Leite negro da aurora bebemos-te à noite
bebemos-te cedo e no dia bebemos-te à tarde
e bebemos bebemos
Mora um homem na casa ele brinca com cobras e escreve
quando baixam as sombras escreve à Alemanha teu áureo cabelo Margarete
Teu cabelo de cinza Sulamita cavamos um túmulo no ar onde não se há se estar apertado
Grita cavem mais fundo essa terra vocês acolá vocês cantem e toquem
pega o ferro do cinto balança-o seus olhos azuis
cavem fundo essas pás vocês estes aqueles não parem a música a dança
Leite negro da aurora bebemos-te à noite
bebemos-te cedo e no dia bebemos-te à tarde
e bebemos bebemos
mora um homem na casa teu áureo cabelo Margarete
teu cabelo de cinza Sulamita ele brinca com cobras
Grita toquem a morte mais doce é a morte um dos mestres senhor da Alemanha
grita toquem mais sombra os violinos depois subam como fumaça
e hão de ter uma cova nas nuvens que lá não se fica apertado
Leite negro da aurora bebemos-te à noite
bebemos-te à tarde é a morte um dos mestres senhor da Alemanha
bebemos-te à noite ou bem cedo e bebemos bebemos
a morte é um mestre senhor da Alemanha seu olho é azul
ele acerta-te a bala de chumbo te acerta na mosca
mora um homem na casa teu áureo cabelo Margarete
ele atiça os mastins contra nós e nos dá uma cova nos ares
ele lida com cobras e sonha é a morte um dos mestres senhor da Alemanha
teu áureo cabelo Margarete
teu cabelo de cinza Sulamita
(Tradução de Renato Suttana)
Nota do tradutor: Na tradução deste poema, tentei reproduzir o ritmo anapéstico do original. Onde isso não foi possível, optei pela fidelidade ao sentido. Os versos "dein goldenes Haar Margarete / dein aschenes Haar Sulamith" ("teus cabelos dourados Margarete / teus cabelos de cinza Sulamita"), tão importantes no contexto, são evidentemente intransponíveis para o português sem o sacrifício desse ritmo.
. ................................................................................. ....................................................................................... Reflexões: A poesia de Paul Celan, que influenciou o artista Anselm Kiefer, é um exemplo da poesia lírica ao representar a catástrofe, os traumas experimentados por quem vivenciou o horror. Suas pausas, espaços em branco, pontuações imprevisíveis, repetições, versos compostos apenas por uma palavra, designam a fala titubeante, desordenada. "Os poemas de Celan querem exprimir o horror extremo através do silêncio", nos diz Adorno, assim como Derrida sugere que a poesia de Celan provoca que o receptor traduza as suas feridas em vozes. Assim como na linguagem escrita, a fragmentação pode ser expressa nas artes visuais pelo uso do "branco", representado nos trabalhos de Anselm Kiefer, na série "Para Paul Celan", além da referência à obra do poeta (fuga da Morte e Leito de Neve), aludindo a ausência de limites entre o real e o imaginário, o trauma e o esquecimento por ele provocado. Tanto em Celan como em Kiefer, o que podemos refletir são esses "fragmentos de memórias", onde Kiefer dá forma por meio da pintura, nos recuos e apagamentos nas linhas fragmentadas da poesia de Celan. A ligação entre o branco, a memória e o esquecimento, são os temas por eles representados, assim como as veladuras que tornam as imagens indefinidas.



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