domingo, 23 de dezembro de 2012

A memória Inconsolável












.
 
Hiroshima, meu amor
 
Direção:  Alain Resnais
Filme Franco-japonês de 1959
Roteiro:  Marguerite Duras
 
 
A memória Inconsolável
 
 
Um filme que além de introduzir inovação e perspectiva inusitadas,   ao expor novas maneiras de fazer (forma ) e de ver (significado) no cinema e na vida, nos fala desta memória inconsolável,  na  reflexão sobre o tempo e as lembranças.
 
Baseado em texto do nouveau Roman francês de Marquerite Duras, pleno de nuances e aspectos que abrangem desde o fio temático: - o bombardeio atômico de Hiroshima, a presença dos personagens  que estão revendo o passado, nesta unidade de tempo, mesclado de memórias e cenas reais.
 
É um filme (de e) sobre a memória e o tempo, tratado de maneira visceral e contemporânea.  Falando de um relacionamento entre um homem e uma mulher, na possibilidade de convivência, solidificando os liames entre dois seres humanos, e o que os podem unir como premissa de um encontro real e significativo. E, como notas musicais, quando submetidos ao toque e pressão  dos dedos do pianista,  que nos graus desta variação e sutileza, revelam suas partituras únicas e seus tons, e nós como expectadores,  vamos saboreando, sem saber ao certo o que transmitem, ora vagos e silenciosos,  ora intensos e dramáticos.
Todos os contatos, expressões, diálogos, atitudes e posturas, pautam-se por estas sutis tonalidades e variações, e como acorde musical, na sua leveza, flexibilidade e imponderabilidade, que à semelhança do pensamento, dos sentimentos e das emoções, não se concretizam, mas revelam em outro estado de ser, porque assim a memória se faz.
Os tempos amorosos dos personagens revelam-se através dessas sinfonias, onde a junção passado e presente interagem, incorporam-se no agora dos sentimentos, onde as perturbações psíquicas pretéritas são retomadas,  neste lugar da memória onde o processamento poético permeia-se de indagações e angustias do vivido.
 
A  primeira frase  que se fala no filme: “ Tu n’as rien vu, à Hiroshima”  (Você não viu nada em Hiroshima), depois de minutos de imagens de um desenho abstrato de dois corpos entrelaçados, por fusões e sublinhado por um tema musical, os duplos sentidos entre frases e imagens se revelam. E nós, o que vemos em Hiroshima?
 
“Como você, lutei para manter uma memória inconsolável”, diz a voz feminina. E depois de um vazio, continua: “ E como você, eu esqueci”.
 
Memória e esquecimento são a matéria que desfilam em nosso campo visual.
“L´oubli cmmencera por l’oeil” ( O esquecimento comecará pelo olho), nesse  processo interior, temos o processo criativo:  imaginação e esquecimento, memória e realidade;  temas que se mesclam.
 
Tudo na película nasce do diálogo destes amantes, e a linha dramática se desenvolve através da memória e recordação. Deste modo, “a madrugada de amor em Hiroshima” é inseparável da” madrugada de morte em Never”,  no que fica desta vivência  entre espaço e tempo, que ora se dissolvem ou ora se conectam.
 
O filme nos faz refletir sobre a sensação imprecisa da existência, em termos de desejo, sensação e vivência, do mundo real e do mundo dos sonhos e desejos; um mundo que se forma por contradições, do passado e do presente, do concreto e abstrato.
 
Onde o tempo da memória se faz? Esse é ao meu ver a indagação do filme. Onde o tempo, que não é busca racional, mas poética, nas livres-associações produzidas pelas sensações, lembranças, por um inconsciente que se manifesta e perfila o real. Somos a construção destes paradigmas. Nas falas que se encadeiam como versos de um poema, no ritmo de um poema. Não é o entendimento que interessa, mas a expressão que fica; uma parte desse tempo de busca que se instala e se dissolve, onde nada se explica, mas algo se constrói  nas suas entrelinhas.
 
 
 
Resenha: Uma atriz vinda de Paris para trabalhar numa fita em Hiroshima, tem uma aventura amorosa e revive, através do amante japonês, a trágica experiência que tivera durante a ocupação em Never, na França, com um amante alemão.
 
Juracy
 
 
 
 
 

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Sob as imagens....

Francis Bacon



Pintor anglo-irlândes (1909-1992)











Francis Bacon admite que o artista está sempre atado a realidade, onde alerta: o tema, a realidade é sempre uma isca, tem-se de começar a partir de um tema, de um ponto, que gradualmente irá evaporar-se e deixar aquele resíduo que chamamos de realidade, e que talvez vagamente tenha a ver com o que nos serviu de ponto de partida"




O que temos diante do nós, daquilo que o artista transmite é sempre outra coisa, que já não é a realidade, nem a evocação, mas sim  o que o artista conseguiu fazer dela. Que é sempre alguma coisa (que toma o lugar da verdade) mas que não é a verdade que se afirma na narração desta construção.

A pintura desestabiliza, porque nos tira do lugar conhecido. 

A realidade reinventada, desmontada no processo, para dar conta daquilo que se quiz dizer.

Onde as certezas vacilam - resiste na busca - na necessidade de se fazer imagem.

Uma imagem que não habita, onde ela é tecida no ato anterior ao ato.










  

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Anotações Contraponto



Leonardo Da Vinci, Anatomia Humana, 1489-90

O 
Olhar: imagem e representação





 





Olhar , enfrentar-se com uma
imagem, implica no processo de aproximação, uma forma de entender o mundo, uma
maneira de reconhecer  o que em processo
nos leva a desconhecer o já visto. Nada se sabe sobre o objeto, se a Arte é
sempre um mostrar de novo o que já se conhece. Onde a imagem se faz?





Compreender é refletir . Já
diziam as escolas gregas: quem  faz
Theoria – teoriza –  faz  uma ação baseada na observação, para em
seguida   ter  compreensão daquilo que se viu.





 





Olhar, ver, observar é neste
processo um “compor a realidade”, 
encontrar formas, símbolos, signos, desvendar o já visto. “O olhar é o
processo (subjetivo) da visão”, Só olhamos quando algo nos insere numa falta da
emoção sentida.





 Todo Olhar instaura um sentido. Forma a
consciência na busca de significados, das similaridades e diferenças, para   fortalecer
a discriminação,  um processo de escolha
e diferenciação. Todo  artista oferece ao
mundo o seu olhar.





Toda arte seria a apresentação de
uma visão, porque é um processo de re-apresentação.





Poesia e arte nos mostram o que
não vemos, e o que não se vê até que nos seja mostrado. Ver é diferente de
olhar. Olhar é fazer relações, ampliar o mundo, conectar com o não visto, a
verdade de uma falta.





Arte é ação,  no criar e recriar  um corpo e dar consciência pessoal,  transcender o já visto. Dar vida a uma forma
e substância para algo (ideia) ,e expressar o interiorizado.





Como resolver em ato o desejo?





 





Onde a imagem se faz?





O Olhar para o artista representa
o “acúmulo de olhares” de experiências acolhidas.





Adiar o que é visto, dar tempo,
saindo do imediato da imagem, construir e desconstruir, fazendo desconhecido o
olhar.





Representação





Por representar, Platão no seu discurso, entendia por imitar, imitatio, equivalente a enganar. Portanto, a realidade se encontra num plano metafísico, invisível - o das idéias. Representar, desenhar, cantar, atuar, pintar, seriam artes da imitação, do mentir. A arte, associada com o processo de representação, vincula-se ao engano, a imitação, ao simulacro porque transcende o real.


Transcender significa ir além.


 Olhar o que está além do olho, onde a verdade passa a ser de ordem imaterial, e só pode ser captada pelo espírito, ou seja, só pode ser pensada.


Todo simulacro permite abstrair, e abstrair é entrar na interioridade do sentir em sua síntese. Um agir no mundo, o de atuar um sentir, interferindo naquilo que se vê. Criando a imagem de um objeto feito por coexistências, simultaneidades, implicações e afinidades.





O olhar transforma o ver em representação.


 


O Olhar:   "Fera povoada de acordes, cruzada de simpatias e antipatias: um universo de afinidades. No seu bojo pode o olhar exercer fastas ou nefastas e produzir uma linguagem "Adauto Novaes) in "Olhar" Companhia das Letras.


 


 


 


 


 


domingo, 12 de agosto de 2012

Paul Celan X Anselm Kiefer

Prosa
Traduções
Colaborações
Arquivo
Contatos
Bem-vindo à homepage de Renato Suttana.
Nicolau Saião, Sem título
(Paul Celan)
Leite negro da aurora bebemos-te à tarde
bebemos-te cedo e no dia bebemos-te à noite
e bebemos bebemos
cavamos um túmulo no ar onde não se há de estar apertado
Mora um homem na casa que lida com cobras que escreve
quando descem as sombras escreve à Alemanha teu áureo cabelo Margarete
ele escreve e se afasta da casa e cintilam estrelas assovia chamando os mastins
e assovia judeus seus judeus cavem fundo uma cova na terra
agora nos manda tocar para a dança
Leite negro da aurora bebemos-te à noite
bebemos-te cedo e no dia bebemos-te à tarde
e bebemos bebemos
Mora um homem na casa ele brinca com cobras e escreve
quando baixam as sombras escreve à Alemanha teu áureo cabelo Margarete
Teu cabelo de cinza Sulamita cavamos um túmulo no ar onde não se há se estar apertado
Grita cavem mais fundo essa terra vocês acolá vocês cantem e toquem
pega o ferro do cinto balança-o seus olhos azuis
cavem fundo essas pás vocês estes aqueles não parem a música a dança
Leite negro da aurora bebemos-te à noite
bebemos-te cedo e no dia bebemos-te à tarde
e bebemos bebemos
mora um homem na casa teu áureo cabelo Margarete
teu cabelo de cinza Sulamita ele brinca com cobras
Grita toquem a morte mais doce é a morte um dos mestres senhor da Alemanha
grita toquem mais sombra os violinos depois subam como fumaça
e hão de ter uma cova nas nuvens que lá não se fica apertado
Leite negro da aurora bebemos-te à noite
bebemos-te à tarde é a morte um dos mestres senhor da Alemanha
bebemos-te à noite ou bem cedo e bebemos bebemos
a morte é um mestre senhor da Alemanha seu olho é azul
ele acerta-te a bala de chumbo te acerta na mosca
mora um homem na casa teu áureo cabelo Margarete
ele atiça os mastins contra nós e nos dá uma cova nos ares
ele lida com cobras e sonha é a morte um dos mestres senhor da Alemanha
teu áureo cabelo Margarete
teu cabelo de cinza Sulamita
(Tradução de Renato Suttana)
Nota do tradutor: Na tradução deste poema, tentei reproduzir o ritmo anapéstico do original. Onde isso não foi possível, optei pela fidelidade ao sentido. Os versos "dein goldenes Haar Margarete / dein aschenes Haar Sulamith" ("teus cabelos dourados Margarete / teus cabelos de cinza Sulamita"), tão importantes no contexto, são evidentemente intransponíveis para o português sem o sacrifício desse ritmo.
. ................................................................................. ....................................................................................... Reflexões: A poesia de Paul Celan, que influenciou o artista Anselm Kiefer, é um exemplo da poesia lírica ao representar a catástrofe, os traumas experimentados por quem vivenciou o horror. Suas pausas, espaços em branco, pontuações imprevisíveis, repetições, versos compostos apenas por uma palavra, designam a fala titubeante, desordenada. "Os poemas de Celan querem exprimir o horror extremo através do silêncio", nos diz Adorno, assim como Derrida sugere que a poesia de Celan provoca que o receptor traduza as suas feridas em vozes. Assim como na linguagem escrita, a fragmentação pode ser expressa nas artes visuais pelo uso do "branco", representado nos trabalhos de Anselm Kiefer, na série "Para Paul Celan", além da referência à obra do poeta (fuga da Morte e Leito de Neve), aludindo a ausência de limites entre o real e o imaginário, o trauma e o esquecimento por ele provocado. Tanto em Celan como em Kiefer, o que podemos refletir são esses "fragmentos de memórias", onde Kiefer dá forma por meio da pintura, nos recuos e apagamentos nas linhas fragmentadas da poesia de Celan. A ligação entre o branco, a memória e o esquecimento, são os temas por eles representados, assim como as veladuras que tornam as imagens indefinidas.



sábado, 11 de agosto de 2012

Anselm Kiefer: Tema no Contraponto


EXPOSIÇÕES ATUAIS


Anselm Kiefer, “Für Paul Celan”. Cortesia: Anselm Kiefer e Yvon Lambert Paris. Fotografia: Jean Breschand

Anselm Kiefer, “Für Paul Celan”. Cortesia: Anselm Kiefer e Yvon Lambert Paris. Fotografia: Jean Breschand

Anselm Kiefer, “Für Paul Celan”, Cortesia: Anselm Kiefer e Yvon Lambert Paris. Fotografia: Jean Breschand

Anselm Kiefer, “Für Paul Celan”. Cortesia: Anselm Kiefer e Yvon Lambert Paris. Fotografia: Jean Breschand

Anselm Kiefer, “Für Paul Celan”. Cortesia: Anselm Kiefer e Yvon Lambert Paris. Fotografia: Jean Breschand

Anselm Kiefer, “Für Paul Celan”. Cortesia: Anselm Kiefer e Yvon Lambert Paris. Fotografia: Jean Breschand

Anselm Kiefer, “Für Paul Celan”. Cortesia: Anselm Kiefer e Yvon Lambert Paris. Fotografia: Jean Breschand



ANSELM KIEFER

Für Paul Celan




YVON LAMBERT
108 rue Vieille du Temple
75003 PARIS

21 OUT - 02 DEZ 2006

A paisagem era branca de neve

Galerie Yvon Lambert e Galerie Thaddaeus Ropac, Paris

Se a humanidade tivesse desaparecido após um incêndio universal e o vendaval pós-apocalíptico tivesse varrido todos os corpos restaria a neve espessa sobre a paisagem queimada, onde os únicos sobreviventes da memória humana seriam os enormes livros de chumbo com estames de girassóis eternamente nocturnos a marcarem as páginas.
Assim é a paisagem que nos é trazida pela nova série de obras de Anselm Kiefer, “Für Paul Celan” apresentada nas duas galerias vizinhas do norte do Marais, Yvon Lambert e Thaddaeus Ropac.


Nesta série de trabalhos em pintura e escultura de grandes dimensões as cores são o ferrugem, o cinza chumbo, o branco imaculado da neve e a cor da madeira. Madeira que, em pequenos ramos que poderiam ser transportados por crianças, se encontra sobre as cadeiras que pontuam a paisagem onde o ponto de fuga é um horizonte infinitamente árido.


Sente-se o eco dos poemas de Paul Celan, poeta de origem romena que viveu o holocausto nazi e produziu diversas obras tal como Kiefer em França. Poemas como “Todesfuge“ (A fuga da morte) ou “Scheneebett“ (Leito de Neve) desvelam-nos uma paisagem de silêncio, como diria Yvette Centeno no prefácio à antologia de poemas ”Sete Rosas mais Tarde”:
“ … a poesia de Celan é o lamento ou o requiem por esse mundo que se sabe irremediavelmente destruído. O que nos sobra são as testemunhas impassíveis e silenciosas que se exprimem nas metáforas recorrentes: as árvores, a neve, onde se dissipam as pegadas dos que nela pereceram, um olho (o olho do tempo) cego que nada vê, nem reflecte nada, o cabelo que sobrou das cinzas” ( ed. Cotovia , 1996, Lisboa)


Anselm Kiefer nasceu em 1945 em Donaueschingen na Alemanha e é uma das figuras cimeiras da cena artistica alemã com uma carreira que começou nos anos 60 e que se tornou internacionalmente conhecida após a sua participação na 39° Bienal de Veneza em 1980, onde partilha a representação do pavilhão germânico com Georg Baselitz.


A critica alemã nem sempre acolheu favoravelmente a obra de Kiefer pela sua notória ligação à genealogia do pensamento e da arte germânicas, seja por referências a criadores deste século, como Paul Celan, Walter Benjamin ou Levinas ou a figuras mais remotas como Holderlin, Hegel ou Wagner; estas referências oferecem aos seus co-nacionais, sempre sob o peso do complexo de culpa do nacionalismo alemão uma ambiguidade significacional, como é o caso da série dedicada à arquitectura alemã do período nazi “Vision of a New World” realizada entre 1980 e 1987.


Na América Kiefer é bem acolhido. Realiza uma grande exposição apresentada no Art Institute de Chicago em 1987 e no MoMA em Nova Iorque em 1988-1989; o catálogo é da responsabilidade de Mark Rosenthal que defende a tese de que o fantasma da era alemã precede o período nazi e é desde logo patente em obras românticas como as de Friedrich.


Como bom discípulo de Joseph Beuys, Anselm Kiefer desde os anos 80, adopta materiais orgânicos como a palha e a cinza ou tecnicamente elaborados como o chumbo.
Este “filho de Saturno”, desde 1991 a viver e a trabalhar na região de Ardeche em França, realiza diversas séries onde irrompem os girassóis e os livros em chumbo como a exposta em Paris na galeria Yvon Lambert em 1996 “Cette obscure clarté qui tombe des étoiles”.


Em 1997, uma vasta retrospectiva da sua carreira tem lugar em Veneza no Museu Correr com trabalhos como “Les femmes de la révolution” série começada em 1991.
Nestas obras a presença humana era ainda visível mas em “Für Paul Celan” apesar de continuar a palavra escrita do pintor, um barco e algumas cadeiras presas nas telas, que parecem abandonadas como no fim de um espectáculo de Pina Bauch.
A componente cenográfica é forte mas o rasto do vivo desaparece sobre os layers de matéria.
Resta o peso dos seus livros gigantes carbonizados: “ … o mundo é um livro à espera como todos os livros de ser consumido e queimado…” (Massimo Cacciari na introdução ao catálogo da exposição Anselm Kiefer, Ed Charta, Milão).


As obras de Kiefer são um teatro em forma de livro em que o verbo nos remete para todo o compêndio da história comum aos que sobreviveram ao espectáculo surdo da guerra.