Arte Poética
A Poesia não me pede propriamente
uma especialização, pois a sua arte é uma arte do ser. Também não é tempo ou
trabalho o que a poesia me pede. Nem me
pede uma ciência nem uma estética, nem
uma teoria. Pede-me antes a inteireza do meu ser, uma consciência mais funda do
que a minha inteligência, uma fidelidade mais pura do que aquela que eu posso
controlar. Pede-me uma intransigência sem lacuna. Pede-me que arranque da minha
vida que se quebra, gasta, corrompe e dilui como uma túnica sem costura.
Pede-me que viva atenta como uma antena, pede-me que viva sempre, que nunca me esqueça.
Pede-me uma obstinação sem tréguas, densa e compacta.
Pois a poesia é a minha
explicação com o universo, a minha convivência com as coisas, a minha
participação no real, o meu encontro com as vozes e as imagens. Por isso o
poema não fala de ma vida real, mas sim duma vida concreta: ângulo da janela,
ressonância das ruas, das cidades e dos quartos, sombra dos muros, aparição dos
rostos, silêncios, distância e brilho das estrelas, respiração da noite,
perfume de tília e do orégão.
É esta relação com o universo que
define o poema com o poema, como obra de criação poética. Quando há apenas
relação com uma matéria há apenas artesanato.
É o artesanato que pede
especialização, ciência, trabalho, tempo e uma estética. Todo poeta, todo
artista é artesão de uma linguagem. Mas o artesanato das artes poéticas não
nasce de si mesmo, isto é, da relação com uma matéria, como nas artes
artesanais.
O artesanato das artes poética nasce da própria poesia, à qual está
consubstancialmente unido. Se um poeta diz: “obscuro”, “amplo”, “ barco”, “pedra”, é porque estas
palavras nomeiam a sua visão do mundo, a sua ligação com as coisas. Não foram
escolhidas esteticamente pela sua beleza, foram escolhidas pela sua realidade,
pela sua necessidade, pelo seu poder poético de estabelecer uma aliança. E é da
obstinação sem tréguas que a poesia exige que nasce o “obstinado rigor” do
poema.
O verso é denso, tenso como um
arco, exatamente dito, porque os dias foram densos, tensos como arcos,
exactamente vividos.
O equilíbrio das palavras entre
si é o equilíbrio dos momentos entre si. E no quadro sensível do poema vejo
para onde vou, reconheço o meu caminho, o meu reino, a minha vida.
Sophia de Mello Brekner Andresen.
(in: Geografia. Lisboa, Salamandra, 1990)
contribuiçao: Juracy Giovagnolho dos Santos
Ju, obrigado por criar este blog! É muito bom poder saber o que se passa pelo ateliê e estar antenado com as ideias que vêm dali!
ResponderExcluirBjão
Paulo
Paulo: seja bem vindo, obrigado por compartilhar!!!
ResponderExcluirSuas sugestões para ampliar as reflexões serão aqui postadas.
Bjs
Reli isto hoje, o viver poético, o fazer do artista-artesão. Muito bom.
ResponderExcluirCristiane