Giacometti, o eterno
insatisfeito, aquele que faz continuamente aparecer e desaparecer o objeto,
aquele que sempre deseja, e o que deseja é impossível.
Alberto Giacometti, esse
artista testemunho de uma trajetória singular, que se estabelece entre a
destrutividade e a criação da forma, concentrado em estabelecer uma relação com
a realidade e a representação daquilo que via.
Como representar a realidade?
Giacometti em suas crises e
buscas retoma o processo pelo viés do imaginário surrealista. Abandona, recria
novas formas deste ver e representar. O
que ele busca?
Em uma de suas milhares de
anotações fragmentárias, que ele registrava em qualquer papel, espalhava por
todo canto e logo abandonava, ele nos dá esse testemunho impressionante:
“ Não sei mais quem sou, onde
estou, não me vejo mais, penso que meu rosto deve aparecer como uma vaga massa
esbranquiçada, frágil, que só se mantém inteira sustentada por andrajos
informes que caem até o chão. Aparição incerta. Não me vejo mais, nem o que me
cerca: copos, vidros, rostos, cores aqui e ali, sim cores muito brilhantes, um
pires em cima da mesa, as costas de uma cadeira. Os objetos, sobretudo, me
parecem reais, o copo bem menos precário que a mão que o segura, que o levanta,
que o descansa, que desaparece. Os objetos têm uma outra consistência. As
cabeças, os personagens são apenas movimento contínuo do dentro, do fora, elas
se refazem sem parar, não têm verdadeira consistência, seu lado transparente.
Elas não são nem cubo, nem cilindro, nem esfera, nem triângulo. Elas são massa
em movimento, forma mutante e nunca totalmente apreensível. São também ligadas
por um ponto interior que nos olha através dos olhos e que parece ser a
realidade delas, uma realidade sem medida, em um espaço sem limite e que parece
ser diferente do espaço em que esta xícara se mantém diante de mim ou a
realidade criada por esta xícara. Elas não tem, além disso, nenhuma cor
definida.” (Giacometti 1990, p.218).
Esse movimento incessante das
coisas, na metamorfose de suas revelações e ocultamentos, de aparições
fascinantes e obscuridades vindas das sombras e da noite mais opaca, lança ao
nosso olhar uma espacialidade de outra ordem, ilimitado e indeterminado, sem
origem ao meu ver no apreensível do já visto. As imagens de Giacometti são sem
repouso e ao mesmo tempo estáticas e verticais, cuja forma é obtida pelas distorções e subtrações neste
eterno fazer e refazer.
O escritor francês Jean Genet,
um dos grandes amigos do artista, fala sobre essa outra origem, espacial e
temporal que nos convoca as obras de Giacometti:
“As estátuas dir-se-ia
pertenceram a uma idade defunta, descobertas depois de a noite e o tempo – que
as trabalharam com inteligência – as haverem corroído, dando-lhes o ar doce e
duro da eternidade que passa.” ( Genet. 1999,p.38).
E mais adiante:
“Cada escultura parece
regressar a- ou vir de- uma noite tão distante e espessa que se confunde com a
morte (...) . (Genet 1999, p.49).
Assim nos mostra Giacometti em
sua tarefa interminável, construindo e destruindo para construir, na impossível
operação de dar por concluída uma obra que captasse o “desconhecido absoluto da
natureza real” .
Ensaios e anotações:
Juracy Giovagnoli dos Santos
Leitura e releituras sobre Giacometti.
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